ALBERTINA PRATES   ÁTILA RAMOS   E. BALOD   EDUARDO MOREIRA   ELIAS ANDRADE   ELI HEIL   GUIDO HEUR   IDÉZIO LEAL   JAIR MENDES   JANDIRA LORENZ   LÍGIA HELENA ROUSSENQ NEVES   LOURIVAL PINHEIRO (LOBO)   VERA SABINO   RODRIGO DE HARO   'SÍLVIO PLÉTICOS   SÔNIA REGINA DE BRIDA ZANATTE   SUELI BEDUSKI   TÉRCIO DA GAMA   JUAREZ MACHADO  

Transcriações

 

 

 

 

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Título: O poeta e o poema

O poema reluta.
Quer ser – e não quer.
Escolhe o poeta;
escolhe o momento.
Recua. No limbo
insondável, pondera.
Retorna mais tarde,
já outro – nem sempre.
Com força, derrama
o sentido. Se vire
o poeta.

Alcides Buss
Cinza de Fênix & três elegias

Transcriações

Título: Lendo Alcides Buss

DE LER E ANDAR

Há dias em que há
mais sentido nas ruas
do que nos livros.
Nesses dias se deve
de casa sair
e, dentro de si,
caminhar à escuta
da vida.
Há dias,
porém, em que mais
sentido há nos livros.
É preciso, então,
trancar-se em leituras
e, numa entrega de sonho,
misturar-se ao mundo.

Alcides Buss
Sinais/Sentidos

Transcriações

Título: Sem título

O poema é quase nada.
A folha,
o vazio
e a alma,
este trio vulgar
já é capaz
de alimentar o sonho
que se faz palavra.

O olho arguto, porém,
impregna o sopro verbal
com o vinho do cálice
distante.

Alcides Buss
Cinza de Fênix e três elegias

Transcriações

Título: Passagens

O vento, a tarde.
Das coisas vividas, poucas
ainda têm forma.

Alcides Buss
Jornal O Papa-Siri

Transcriações

Título: Amada

INVENÇÃO DA SEREIA

Inventaram a Sereia,
essa imagem latente,
pra lenda parecer
um outro amor ardente.

Inventaram a Sereia,
lindamente,
pra ninguém acreditar
que, tão linda, seja gente.

Alcides Buss
O homem e a mulher

 

Transcriações

Título: A ave dentro da ave

O poema é o som
da ave dentro da ave;
da ave que voa
através de si mesma.

O poema é o som
do sonho – do sonho
e mais nada.

O poema é o som
à sombra dos nomes,
o sono que adiante
acorda e germina.

O poema é o som
da face perdida
– que se encontra.
A voz interdita.

Alcides Buss
Cinza de Fênix e três elegias

Transcriações

Título: Por-de-sol

POR-DE-SOL

Estradas  entre  o mundo... 
                                      o
                                      SOL
                                      sonã
                                      vestiu
                                      se
                                      de
                                      pijama
                                      pradeitar

                                      puxará
um cobertor de montanhas
......................................

- Aih qu’escurização!
Meus olhos tão-s’esvaziando!

- Então, feche-os.

Alcides Buss
Ahsim

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Título: O vento flauteia

O vento flauteia
no vale..............Lento, se
enleia nas árvores.

Alcides Buss
Natural, afetivo, frágil

Transcriações

Título: Mulher enluarada

VISÃO DO ARTISTA

“Corpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo em tu actitud de entrega.”

Mulheres de Neruda,
oh mulher, ser felino e flor!

Oh dama dos salões,
senhoras do lar,
mulheres proletárias;
operárias do dia, da noite,
operárias do corpo, da alma;

oh empregadas domésticas e seus olhos de espera,
lavadeiras de roupa, donas de pensão;
oh babás, fiandeiras, tecelãs;
varredeiras de rua, balconistas, secretárias;
aeromoças, garçonetes;

grávidas virgens, mães enfurecidas,
donzelas no cio, crianças dormindo;
oh mucamas, Nega Fulô,
oh lavradoras no tempo e na esperança;
oh nativas de Gauguin, damas
de Manet, palhaças
de Lautrec; oh carnes generosas,
banhistas sensuais de Renoir;

oh Lucíola de Alencar,
Capitu de Machado, Inocência
de Taunay; oh mulheres enluaradas
dos poetas, oh férteis seios,
oh coisa-terra;

oh sublimidades,
proletárias do homem!

Oh sorriso etéreo de Gioconda!
Libertai-vos na visão do artista,
libertai-vos no mundo!

Alcides Buss
O homem e a mulher

Transcriações

Título: Infância perdida

CORAÇÃO SINGULAR

Eu te vi chegar
repleto de ternura humana.
Eu te vi, aqui,
rodeado de verdades vivas.
Eu te vi saudável
como as árvores saudáveis.
Eu te vi brincar
em meu jardim, íntimo das flores.
Eu te vi tatear
clamores da linguagem.
A fazer-se para o mundo,
eu te vi um príncipe
de sonhos.

Alcides Buss
Cinza de Fênix e três elegias

Transcriações

Título: Grãos

O poema é o lado
de fora do grão,
olhado de dentro.
Mas o lado de dentro,
se visto de fora.

O poema é
um lado no outro
ou
o grão inteiro.

Alcides Buss
Cinza de Fênix e três elegias

Transcriações

Título: Malmente, ressonância

MALMENTE, RESSONÂNCIA

Neste instante, reconheço:
sou o que sobra de meu vazio.
À minha volta transita o mundo,
o vasto mundo incontido.
Eu sou o seu núcleo,
eu sou o seu nada.
Para dentro do que não sou,
estende-se a mão ambígua
do acaso. Para fora de mim,
inacabável, o mundo viaja.
Por ele, fujo, fujo, rumo às arcas
secretas dos seres sem começo
e sem fim. Fujo, no fugir
em ínfimo estado quase nulo,
longínqua ressonância
de um deus silente.

Alcides Buss
Sinais/Sentidos

Transcriações

Título: Insumos

INSUMOS

O corpo das aves
e o meu corpo
se fundem no mesmo sopro
de luz
no fim da tarde.

Partilhamos
um só espaço.
Respiramos o mesmo ar.

À noite
as nossas vidas voltarão
à imagem silente
da única vida.

Ressurgindo o dia,
haverá em tudo
a ressonância da unidade:
orquídea aberta
ou sanguínea rosa
– desfeita em asas
abertas para o nada.

Alcides Buss
Sinais/Sentidos

Transcriações

Título: A poesia de Alcides Buss

Ao abrigo de sete semblantes
percorro os dias
perversos.
Um, sou aqui. Outros, ali.
Ninguém me conhece
em verdade e, espelho
de outrem, a si também
desconhece. Dispersos,
quais letras fortuitas,
burlamos o texto do mundo.
E o nosso sentido se esvai
ao leve toque da graça.

Alcides Buss
Cinza de Fênix e três elegias

 

Transcriações



Título: Sem título

AS COISAS FUTURAS

O corpo no espaço se move
e ,nele, a alma passeia.
Na alma, um sonho
percorre o deserto. Só,
bem longe se perde:
um sopro de paz
afaga o mistério.
Oh, mistérios mergulham
em forças ocultas.
No fundo dos fatos,
sinais diminutos
se movem pro fundo,
pro fundo – raízes
de coisas futuras.

Ó corpo, ó corpo,
do tudo ao nada
há um fio, qual
única gota de chuva!

Alcides Buss
Sinais/Sentidos

Transcriações

Título: Contemplação do amor

CONTEMPLAÇÃO DO AMOR

Entre o concreto e o céu
está o traço,
o braço
de nosso vôo.

Vôo de luz
que nos transpõe
e leva-nos ao universo
dos universos.

Em cada janela
deparamo-nos,
mistos de carne e infinito,
cimento e eternidade.

E na planta que semeia
o verde, na ave
que semeia o êxtase,
aprendemos a chegar
no ponto
em que estamos.

Alcides Buss
O homem e a mulher

Transcriações

Título: Elegia Pataxó

ELEGIA PATAXÓ

Não foi o dia, desta vez,
que nasceu no grito inocente
dos pássaros, nem na sirene,
tampouco, dos grilos silvestres.

Não foi de festa, igualmente,
a explosão de súbita chama,
veloz, perfurando as retinas
e voraz entrando no tórax.

Não eram as gralhas, nhambus
ou araras que de repente
chegavam, pondo-se em pânico
e se atirando contra as trevas.

As íngremes nuvens de inverno,
pesadas, vãs, mal entendiam
o trêmulo apelo dos lábios
em torno do tempo distante.

Ruídos, ruídos, ruídos
depressa se acercam da língua
e, num instante, já não deixam
lugar pra soltar, desfazer
o nó que entope a garganta.

Estrelas, tão tímidas sempre,
agora se inflam, atritam-se
e expelem odor de veneno,
como se urrassem as feras
ante a iminência da morte.

Que flechas se quebram na pele,
as pernas perdidas do corpo,
as mãos segurando ainda
um recado não dado e a força
que foge de dentro dos olhos?

                   Imagine,
há quinhentos anos o vento
soprando e inflando este fogo
contrário, o sol às avessas,
e a bruma deitando no verde
das folhas as cinzas miúdas!

Alcides Buss
Cinza de Fênix e três elegias

Transcriações

Título: Um dia no campo

UM DIA NO CAMPO

Hoje, no campo,
meu dia foi um dia.

                Eu fui eu.

O corpo foi o corpo.
A nuvem foi a nuvem.
O vento foi o vento.
A planta foi a planta.

O riacho foi riacho
A palavra foi palavra.
O pássaro foi pássaro.

     Hoje
tudo foi tudo
e a vida viveu.

Alcides Buss
Transação

 

Transcriações

Título: De bicicleta fui comprar café

MUITAS ANDORINHAS

De bicicleta
fui comprar café.

Às cinco da tarde
era tão belo o mar,
que andei à margem
da vida.

As ondas vinham
e vibravam no ar.
Andorinhas
timbravam o dia.

Uma criança cantava
lá dentro de mim.

Alcides Buss
Iaponan Soares: Santo Antônio de Lisboa – Vida e memória